segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Palhaço, picadeiro e platéia

Existe, no site de relacionamentos Orkut, a comunidade “Tiririca Deputado Federal” (Link para a comunidade), que conta com 133.737 (cento e trinta e três mil, setecentos e trinta e sete) membros. O Tiririca, por sua vez, contou com o voto de 6,35% ou 1.352.666 (um milhão, trezentos e cinqüenta e dois mil e seiscentos e sessenta e seis) eleitores paulistas no dia 03 de Outubro, tornando-se o deputado federal mais votado do país. E nós, cidadãos brasileiros, enfim, podemos esperar não contar com nada.

Afinal, o que esperar de um candidato que se auto-intitula “o abestado”? Sua campanha eleitoral (Link para o vídeo da campanha) traz a resposta: devemos esperar que ele “esteja em Brasília fazendo o coisa da vida do nosso Brasil, a nossa vida, o nosso momento, o nosso coisa que nós temos”. Essa foi parte de sua campanha, muito bem-sucedida, diga-se de passagem. O Palhaço Tiririca, ao alçar sua campanha através de piadas, abocanhou nada menos do que o dobro de votos válidos em comparação com o segundo deputado federal mais votado. O povo paulista riu. E votou.

Ora, cabe perguntar: queremos, no congresso, como representante popular, um candidato cuja campanha esteja totalmente despida de propostas e baseada em chavões e frases que não possuem nexo entre si? É óbvio que não. Qualquer cidadão que pague impostos tem consciência de que é necessário haver um retorno. No caso de um deputado federal, o retorno se dá sob o ato de legislar e manter-se como guardião fiel das leis e dogmas constitucionais nacionais. Deve, inclusive, propor, emendar, alterar, revogar, derrogar leis, leis complementares, emenda à Constituição Federal e propor emendas para a Constituição de um novo Congresso Constituinte (para elaboração de nova Constituição). E lá estará nosso Palhaço Tiririca, a ver navios. Teremos retorno? Não, não teremos, e sequer poderemos reclamar.

Se analisarmos a história da política brasileira, provavelmente constataremos que o Palhaço foi o candidato eleito a algum cargo público mais honesto a aparecer em horário eleitoral, seguido de perto pelo finado Clodovil. O candidato não se deu ao trabalho de nos prometer objetivos inalcançáveis, como é de praxe. A verdade esteve o tempo todo limpidamente visível em seu discurso: não farei nada, pois sequer sei como fazer! Nós ouvimos, compreendemos e, não obstante, demos a ele nosso voto. E quantos votos!

Não somos adversários do nosso próprio interesse. Por que motivo, então, elegeríamos tal candidato? Que propósito levou essa legião de eleitores às urnas, certos de que deveriam votar no “abestado”? Poderia alguma teoria da conspiração nos dar a resposta? Hipnose coletiva através do seu jingle inspirado no ritmo de seu único sucesso musical, “Florentina”? Ou LSD ou outro entorpecente haveria sido misturado aos grãos de trigo, atingindo as mesas de mais de um milhão de cidadãos, despindo-os de suas faculdades mentais e forçando-os a agir irracionalmente?

Não, nada tão fictício quanto uma teria da conspiração. O que houve foi uma epifania coletiva – uma enorme massa de compatriotas do estado-locomotiva decidiu protestar. Ah, sim, eis que chegamos a uma possível explicação: o voto de protesto. Claro, como não pensamos nisso antes? Um milhão e trezentos mil eleitores decidiram protestar contra nossa política atual votando em um candidato tão sofrível quanto o Palhaço. Agora, sim, faz sentido. Já sabíamos que ele não seria capaz de assumir tão importante cargo público, por isso o elegemos: queremos que o Brasil inteiro – não, o mundo inteiro – perceba o quanto estamos descontentes com nossa atual política. Entre tantos escândalos de corrupção arquitetados por figuras tão desonestas quanto bem vestidas, afinal, o Tiririca poderia ter razão: “Pior que tá, não fica”! Ergamo-nos, pois, e votemos nesse sujeito. Deixemos que nossa insatisfação se manifeste à medida que engrossamos as estatísticas durante a apuração dos votos – tal foi o raciocínio de toda uma massa. Pobre, pobre raciocínio ingênuo e ignorante.

Pensemos novamente. Se outrora éramos enganados por candidatos mal-intencionados, que apoiavam suas candidaturas e construíam suas imagens às custas da miséria e esperança dos eleitores - esperança esta de que haveria, afinal, alguma forma de garantir ao menos os direitos humanos a todos os brasileiros,  direitos dentre os quais figuram a paz, moradia, alimentação, educação, saúde e muitos outros que, como o nome denuncia, são intrínsecos à condição humana – agora não mais podemos nos considerar vítimas. Não fomos enganados! Volto a ressaltar, a verdade esteve clara o tempo todo!

Tivemos o Clodovil: “não tenho talento para prometer, tenho talento para denunciar” (Link para o vídeo da campanha). Pois bem, tal e qual, não houve promessas, tampouco planos a serem apresentados. Jamais estivemos incertos quanto a real (in)capacidade do Palhaço em assumir o cargo como representante popular no Congresso Nacional. Decidimos que tomaríamos as rédeas de uma eleição, e faríamos com que esse evento, da sorte de eventos que envergonham toda uma nação, seria um novo marco na nossa famigerada política. Saímos, portanto, como povo, do anonimato para a fama.

Tristemente, nos tornamos famosos não por sermos conscientes quanto a nossas escolhas e capazes de protestar contra tamanho absurdo que é um palhaço se candidatar a um cargo público importante como o de um deputado federal, mas por aceitar o supremo desrespeito com o qual somos tratados todos os dias, envergonhados ao termos de relegar às palmas de nossas mãos nossas faces diante de mais um escândalo político, que resultará em propina, desvio de dinheiro, miséria geral e enriquecimento ilícito. Está absolutamente claro que desejamos mudança, punição sumária, equivalente e inafiançável de todos envolvidos com corrupção, de qualquer tipo, em qualquer nível. Mas, afinal, sabemos como começar a mudança que queremos ver? Os eleitores do Tiririca demonstraram claramente não ter, ainda, o discernimento necessário para protestar. Afinal, o que queriam provar? Que conseguiriam, com bastante esforço e uma boa dose de ingenuidade, piorar ainda mais o cenário político no Congresso?

Eleger um palhaço no intuito de protestar contra a política brasileira atual equivale a abraçar um sargento como forma de protesto contra maltratos policiais. Você contrataria uma governanta para cuidar de seus filhos caso ela deixasse claro nunca ter atuado como tal, sequer entender a função e não estar disposta a trabalhar de modo algum? Não? Digamos que você quisesse protestar contra o horário pouco flexível de atendimento dos bancos – você distribuiria panfletos exaltando o banco? Parece absurdo? De fato, é! Tão absurdo, mas não mais absurdo quanto ter elegido o Tiririca como protesto.

Abraçamos o rótulo de “massa a ser guiada”, consentimos com o lugar em que os políticos corruptos e enganadores vêm tentando nos manter há muitos anos: o de ignorantes com poder de decisão. E, tanto pior: provamos ter gosto por sermos assim.

Não, meus caros! Ninguém, absolutamente ninguém que votou no dito deputado e que objetivasse protestar contra coisa alguma obteve êxito. Não houve protesto. Houve, sim, um engodo em massa. Sabeis, caros “protestantes”: vocês foram alvo de uma estratégia barata criada por um marqueteiro conhecedor das vossas naturezas como eleitores.

Ao Tiririca, bem como ao marqueteiro que forjou essa situação de “protesto”, realmente não importa a forma como o candidato foi eleito. O importante foi ter sido eleito. Agora, ele pode levar consigo sua trupe de deputados anônimos para o congresso. São 3 deputados, que irão assumir cargos públicos. 3 deputados de quem você ainda sequer ouviu falar. Não apareceram durante as campanhas eleitorais, pois não era interessante. Apenas cederam seus horários ao Tiririca, que se incumbiu de atrair eleitores. E tomarão posse, assim como o palhaço. Isto é, caso o Palhaço seja, de fato, capaz de ler e escrever.

Isso mesmo. Existe essa possibilidade, que está sendo investigada. (Link para a reportagem). Tiririca é suspeito de falsidade ideológica, uma vez que teria tentado driblar a Constituição Federal, que determina inelegíveis os analfabetos. Contudo, nossa Carta Maior de 88 não se esmera em tentar definir um conceito para ser usado como padrão na classificação de um sujeito como tal ou não, brecha a qual nosso Palhaço possivelmente irá explorar caso seja considerado culpado.

Caso as coisas sigam normalmente e ele tome posse, Tiririca gozará de um salário bruto de R$12.847,00, além dos benefícios, como auxílio-moradia (R$3.000,00), contratação de assessores de confiança (R$ 50.815,62), auxílio para cobrir despesas políticas no estado de origem (R$15.000,00), auxílio para passagens aéreas (entre R$4.100,00 a R$15.600,00, dependendo do estado de origem), auxílio anual para cobrir despesas com impressão gráfica (R$6.000,00) e auxílio para cobrir telefonemas e envio de cartas (R$4.268,55). Some-se a esse montante o 14º e o 15º salários, aos quais o deputado federal tem direito, a título de ajuda de custo. Temos, portanto, a quantia de R$67.949,17 mensais, ou R$1.019.243,55 (um milhão, dezenove mil, duzentos e quarenta e três reais e cinqüenta e cinco centavos) anuais, destinados a prover o Palhaço com os instrumentos para ajudar e trabalhar pelo povo de São Paulo.

Com toda essa quantia, podemos esperar por propostas e melhorias, certo? Errado. Lembrem-se, elegemos um candidato que não prometeu nada. Pelo contrário, desdenhou da nossa inteligência, com frases como “Ajudarei minha família” ou “Ri, mãe! Ri, pai!”

Ria, Brasil. Ria, pois é tempo de festa. Temos um palhaço eleito ao cargo de deputado federal e a caminho da posse. Ria, pois gostamos de ser enganados, deixamos isso claro. Ria, afinal, pois está ferida a democracia pela ausência do bom senso cívico, perdido ao longo dos anos - a razão e a esperança esmaecidas perante tantos e tantos escândalos. Ria, enfim, Brasil, pois estamos no limiar de uma nova era: aquela em que pagaremos impostos em troca de ofensas, desrespeito, pão e circo. O Palhaço terminou sua apresentação, a platéia está toda rindo. A piada, contudo, somos nós – apenas ainda não nos demos conta.